Sentir é fácil... difícil é fazer! – um depoimento-proposta

21 fevereiro 2009

"Gostaria de não saber destes crimes atrozes... É todo dia agora, e o que vamos fazer? Quero voar pra bem longe, mas hoje não dá! Não sei o que pensar e nem o que dizer:
Só nos sobrou do amor A falta que ficou." (R.R.)


Não estou amargurado, é só óbvia constatação: A alienação humana é crescente!
Cresce na mesma proporção que avança o conhecimento inesgotável, a força da grana e a torrente ininterrupta de informação diária!


Triste paradoxo, então: Quando mais funções a exercer, exigências a cumprir e extenuantes horários de trabalho – menos produzimos para a Vida, menos criamos, menos integramos os vulneráveis... Esses "outros" que vivem de catar nossos dejetos, de recolher o desperdício de nossos desejos, de tirar da nossa frente a sujeira que deixamos pelo caminho obstinado de viver em concorrência, comprando o que não precisamos, com o dinheiro que não temos, para exibir para os que não gostamos!


Você me dirá: "Não sou alienado não. Ao contrário, sou antenado. Sei de tudo!"


Pois é, essa é a primeira geração de seres humanos que sabe de tudo e de todos, e, contudo, no máximo sente afliçõeszinhas passageiras com noticiários diários da urbanidade desvairada.


Sentir angústia ficou coisa fácil.

Difícil é fazer alguma coisa mesmo!


Anda todo mundo aflito com tudo, mas pouca gente se mexendo para algo.

Anda todo mundo preocupado com os destinos de tudo, mas isso não vale mais que uma conversa de bar; é so um assunto "corta-tesão"! "Deixa pra lá... O Obama vai resolver, o "pré-sal vai solucionar!" - e coisas desse tipo.


Quanto mais informação, mais desinteresse... Essa que é a verdade factual. Assistimos a calamidade dos muitos mundos ao nosso redor pela telinha que faz tudo ficar longe; e o fazemos como quem ouve o relatório de uma Ata. É ouvir, aprovar e guardar... Vamos para casa dormir, daí.


E os mais sensíveis? Eles choram; e chorar os aliviam e pronto. Ajuda a rir no dia seguinte, quando tudo já foi esquecido.


Eu trabalho o dia inteiro. Sou filho desse tempo. Também não tenho tempo. À noite, brinco com meus filhos, abraço minha mulher e leio um livro qualquer dentro do meu lar-prisão, da minha casa-bunker. Na clínica, enquanto atendo gente a cada meia-hora, ainda respondo dezenas de emails e telefonemas o tempo todo. Faz tempo não sou dentista, virei "gentista"! Foi sem querer. Eu só queria ser um bom profissional, mas as pessoas cheias de dor e mudas, vieram ao consultório acompanhadas de suas bocas (eu só queria suas bocas), e passaram a falar e falar...

Além disso, faço uma tese aqui, publico artigos científicos bobinhos ali e dou aula acolá...Viajo o Brasil todo!

Inquieto como é minha geração, eu cuido da vida de "sonho americano". Corro atrás do pão nosso de cada dia. Do pão, da pizza, do ar condicionado e da melhor escola da cidade! – esses são meus cuidados. Cuidados de um cidadão!


De uns quatro anos para cá, todavia, minha vida ganhou uma nova dimensão de atuação que me deu saúde em meio às tensões do dia-a-dia. Eu que já flertava com as águas que Deus move, agora mergulhei de cabeça mesmo!


Eu me meti a ajudar gente. Estender o braço. Dar força ao cansado. Prover dispensas e encher geladeiras.

Eu me atrevi a sair da minha zona de conforto, me atrevi a dividir cargas e dar o que Deus me deu!

Todo dia alguém me pergunta: Você não cansa?

Canso. Mas com nada disso.

Solidariedade não cansa. Fraternidade renova as forças do Ser.


Abri em Santos (São Paulo) um centro de palestras. Tenho um auditório dominical. De lá eu prego o que creio. Arranjei uma Causa pela qual viver e morrer. Sartre já dizia que sem uma causa para morrer, a gente não consegue viver! Então, desse lugar (em especial) eu anuncio o Evangelho – proposta de saúde humana integral: Perdão para a alma culpada, Pão para o corpo fraco, Afeição relacional para o espírito solitário. E isso que é o Evangelho.


Abri em Santos um espaço secular. Tão secular como secular é o próprio Evangelho! Feito para o mundo e ao alcance de todo homem! Secular porque não-religioso. Secular porque fala com o mundo com a linguagem do mundo! E só não entende quem não quer, só não entende quem odeia o amor!


Secular, principalmente, porque não acredito em religião.

Não acredito na representação de Deus na Terra, nas agências oficiais, exclusivas.

Não abomino e nem desprezo a história de gente da religião que mudou a história de gente sofrida.

Só não acredito que a força das megas-religiões seja a força de Deus no mundo! Deus é anônimo, Deus é marginal. Deus é carpinteiro, Deus não é marqueteiro!


Por isso, não acredito que a "prestação de serviços espirituais" presta para alguma coisa que vá para além das formalidades de batizar, casar e enterrar seus súditos discípulos culturais. Além disso, o que se vê - é ninguém me poderá contradizer - é só extorsão por parte dos mercadores da fé e dos corretores das bolsas de valores espirituais. Há também a outra turma: O pessoal "do bem" que "pensa" a Fé e que quer dar VIDA ao que nasceu morto: o cristianismo e suas ramificações dissidentes! Aí ficam fazendo ressucitação cardio-pulmonar em múmia! Tanto por tão pouco!


Eu juro que presto atenção no que eles dizem, mas no fundo eles não dizem NADA, NADA, NADA, NADA, não!


Teologia me dá nojo! Eles discutem "Deus" enquanto o problema é o "homem". Eles refletem sobre o fim do mundo enquanto "o futuro é o presente; e o presente já passou!"



Já cansei também do sindicato anti-evangélico... gente abusada por um padreco aqui e "dizimada" por um bispo universal ali... O pessoal que fala pelos cotovelos contra a "igreja", mas não se mexe para NADA! Cansei dos caras que mandam os chefes da religião para o inferno, mas não vão até lá buscar os que nele vivem! Viciaram-se em criticar, descer o cacete na cabeça dos pastores milionários e dos padres pedófilos, enquanto engordam as próprias contas bancárias e zapeiam de madrugada por canais eróticos e sites pornôs!


É lógico que meu "canteiro de esperanças" chamado ESTAÇÃO do CAMINHO DA GRAÇA (www.caminhoemsantos.blogspot.com) quer todo dia virar "igreja" (no pior sentido do termo: lugar de cultuar a sorte de possuir uma espécie de blindagem comunitária contra tetos que caem na cabeça do pessoal que não fica debaixo da nossa cobertura imantada!).

Sim, nesse meu espaço de encontro do Evangelho com a secularidade, a tentação dos infernos todo dia me propõe virar "religião" (e isso também no pior sentido do termo: "vamos fazer uma cabana aqui mesmo e ficar aqui dentro com as grandes figuras do panteão judaico-cristão, onde, de modo algum, NADA nos acontecerá!").


A proposta da religião é o chamado à alienação da solidariedade! É o chamado covarde para dentro de uma Nave-Mãe, um Templo Maior, uma Catedral de Cristal, um Vaticano - Estado ideal, a Arca de um Noé que vai assar um bicho por dia durante o dilúvio de iniquidades desses dias chamados "maus".


Não falo só de alienação social. Não sou marxista não. Percebo que o pessoal sofre da alien-ação de um "alien" mesmo!

É uma ânsia de ser diferente só pra ver se Deus poupa a gente dos holocaustos que fritam diariamente toda gente! O crente, de um modo geral, é um "alien" sim! Ele pensa que não tem compromisso com esse chão maldito, já que "não é desse mundo". Daí sua motivação ser alienada e egoísta, pois o indispõe a cuidar de uma Terra cheia de áfricas órfãs e viúvas trabalhando até morrer de exaustão! Ou o fará somente se os tais "venderem" suas almas à cartilha por eles pregada em cruzadas assistencialistas, num verdadeiro "veste-índio colonizado" dos tempos modernos.


Parece que nunca ouviram dizer que, no final, Ele dirá a quem amou: "Quem deu a algum dos Meus pequeninos, a Mim me deu!"


Minha esperança é a esperança de um peregrino, de um forasteiro existencial, de um cara de passagem que enquanto passa, não quer deixar passar a chance de "SER" na direção do outro que "É" como eu, entretanto, sem as oportunidades e favores que eu mesmo tive! É simples assim.


E, ou será assim, ou eu é que deixarei de "SER"!


É por isso que não organizei departamentos e ministérios intra-muros nessa Estação-Espaço Comunitário. Senão, daqui a pouco, estou eu envolto com a agenda frenética de jantares de confraternização, de noites de caldo verde, sorvetadas e vida de clube! Senão, daqui a pouco, estou eu envolto com a escala de músicos, com o registro de atas, com as classes de catequese, a pintura da fachada e a decoração dos gabinetes sacerdotais como quem pensa, com tudo isso, estar fazendo toda a Obra de Deus na Terra! – num "chamado" para dentro do umbigo institucionalizado!


To fora! Fora. Bem fora! Lá fora. Debaixo do sol de Samaria e da Baixada Santista!


O movimento "Caminho da Graça" quer ser contemporâneo? Quer responder às demandas reais desse tempo?


Então, vamos para fora! O "Sacrifício" foi lá fora dos portões da cidade da Religião. Apadrinhem crianças, adotem ONGs, se incluam nelas, organizem a assistência, para atingirem o máximo de desafortunados possível. Tem ONG (termo genérico) cuidando de crianças drogadas, de pequeninos hospitalizados e de jovens-sem-futuro.


Ora, preguem o Evangelho do Amor, e se necessário for, usem até palavras. Mas, enquanto fazem discursos, fomentem recursos humanos e materiais na direção daqueles que já realizam um trabalho de vossa confiança, como temos aqui:


  • www.projetoondas.org com o Jojó de Olivença, no Guarujá
  • www.aascidadania.com.br e voluntários do Riso, em Santos
  • www.projetocamara.com.br em São Vicente


    Isso é pouco? Sim, quem dera fosse mais. Com você junto, quem sabe, seria mais.

    Só é alguma coisa porque é melhor que o NADA que a maioria faz!


    São as coisas que me cabem hoje. Amanhã será depois. São iniciativas conduzidas por gente que eu confio, que eu amo e admiro! Gente que não ganha nada com isso, que não tem ONG-fantasma e nem intenção política. Gente que escolheu ser gente de Deus. Gente que senta para me ouvir domingo à noite, mas depois levanta como quem ouviu o soar do gongo no ringue.


    Porque agora já virou uma questão de escolha.


    Eu escolhi.


    Ora, dentro desse texto rápido qualquer psicanalista identificará as feridas que me feriram e dirá que é tudo sublimação.


    Whatever! Vou curar minhas feridas drenando abcessos alheios.


    Já faço isso há muito tempo. Meu alívio é ver o alívio do outro.


    Vem comigo, por favor.


    Na mesma Graça,


    Marcelo Quintela


    marceloquintela@caiofabio.com


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