Desistindo do engano de ser como Deus
20 janeiro 2008
"Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai." (Filipenses 2.5-11)
Este é o mistério de Deus, a suprema loucura, a mais incomunicável de todas as realidades, a mais ensandecida de todas as formas de amor, a mais radical decisão, a mais escandalosa escolha, a mais indecifrável charada para as criaturas: a Encarnação de Deus na condição humana.
O caminho desse Mistério é a única coisa a ser verificável, sem, todavia, se poder compreender o Mistério em-si-mesmo.
Paulo apenas nos faz andar pela escada que desce desde a subsistência em forma de Deus até chegar a obediência até a morte, e morte de Cruz, subsistindo como homem mortal.
Esta é a viagem da Encarnação!
No meio disso tudo o apóstolo nos faz viajar do Cristo eterno, até chegarmos ao Jesus Histórico: "...subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou..."
O que precede a tudo isto é um convite à imitação: "Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus..."
Sim, trata-se de um convite para que se tenha o mesmo sentimento que houve em Cristo. Ora, esse tal sentimento o fez se esvaziar de si, a fim de poder ficar igual a mim em semelhança humana.
No entanto, os pontos de partida são diferentes entre Ele e eu. Ele subsistia na forma de Deus, e passou a ser reconhecido em figura humana. Esta é uma escada para baixo, do infinito ao finito, do eterno ao temporal, do transcendente ao encarnado, do que é, ao que é forma de...figura de...semelhança de...sempre de homem.
Ora, como posso ter tal sentimento? Será um convite a que me esvazie de minha própria humanidade? E o que sobrará em mim se eu desistir de ser um homem? Será que é o meu esvaziamento como homem o caminho para a minha glória divina? Não seria uma blasfêmia eu pensar que ser humilde seja esvaziar-se da minha humanidade a fim de me tornar divino?
Isto porque o sentimento que houve em Cristo, e que Paulo diz que deve haver em mim, é um escada para baixo, até chegar a mim, no plano do que é humano. Mas para onde mais abaixo de mim eu posso ainda ir, a fim de me tornar alguma coisa?
De fato, o caminho proposto por Paulo, e que toma a Jesus como exemplo a ser seguido, só me serve como exemplo no que tange a meu esvaziamento, a fim de me tornar humilde e obediente. Mas de que devo me esvaziar?
Na realidade o que existe em nós é completamente diferente do que havia no Cristo encarnado em Jesus. Ele se esvaziou de Deus a fim de poder ser homem. E eu? Devo ser menos homem do que já sou a fim de ser humilde e obediente?
Ora, se há algo que pode nos fazer humildes é esvaziarmo-nos da mesma coisa, só que em nós esta coisa é uma presunção, uma síndrome luciferiana, uma arrogância essencial, uma perversão de minha própria natureza e vocação.
De fato tenho que me esvaziar, mas não de minha humanidade, porém de minha presunção de divindade.
Sim, tenho que me esvaziar do pecado de ser um homem que quer subsistir em forma de um deus, e apresentar-se como a figura de uma pequena divindade, tornando-me em semelhança de um deus, buscando ser reconhecido por Deus, anjos, e homens, como se um deus eu fosse.
A espiritualidade dos humanos busca a divindade, não a humanidade!
O orgulho que nos impede de conhecer alguma humildade vem dessa doença!
Minha salvação para a humildade, portanto, vem de esvaziar-me da presunção de ser "como Deus"—antigo engodo da serpente—, e assumir a plenitude de minha própria humanidade.
Sim, eu preciso me esvaziar de minha pseudo-divindade e assumir a minha condição humana, a fim de que Deus me torne obediente até a vida, e a vida que vem da Cruz.
Nesse dia, terei a segurança de ser quem sou, e servirei a Deus e aos homens mediante a humildade que não se esconde atrás de nada. E, assim, Deus me dará o nome que está acima de meu próprio nome—de fato, um novo nome—, e me exaltará não acima de outros nomes, mas no Nome que está acima de todo nome, o Nome de Jesus.
Minha grande exaltação na vida é viver para ser apenas humano, vazio de qualquer outra presunção, visto que eu subsisto como homem arrogantemente pecador, e que sofre da síndrome dos anjos caídos, e que só será em mim curada pela via do meu próprio reconhecimento entre os homens como um ser verdadeiramente humano.
Nesse dia conhecerei a verdadeira humildade, visto que ela começa sua jornada em minha encarnação como homem.
Sim, o convite é para que eu me esvazie do vento de minhas presunções e me deixe reconhecer apenas como um humano que diz:
"Fiel é a Palavra, e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo salvar os pecadores, dos quais eu, entre os humanos, sou o principal".
O problema é que há daqueles que até na hora da mais visceral confissão de humanidade, ainda assim, a fazem com orgulho.
Eu, todavia, de nada me orgulho, mas apenas me glorio, e me glorio somente no Senhor, que é o único que pode subsistir em forma do que é divino e se esvaziar ao ponto de ser reconhecido como aquele que é humano.
Eu, no entanto, subsisto na forma do que é arrogantemente divino—conforme a tentação do Éden—, e tenho que me esvaziar de tal orgulho enganoso, a fim de ser apenas um homem, e poder ser reconhecido como homem, e como um homem apenas.
Não existe humildade que não faça, forçosamente, essa jornada!
Peço a Deus todos os dias a coragem para fazer essa jornada. Nela está o meu eterno tesouro!
Caio
6:30 da manhã do dia 25 de junho de 2004, acordado pela voz dessa reflexão no meio de um sonho.