Qual é a Igreja de Jesus Cristo?

12 dezembro 2007

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Neste ponto de nosso estudo de João 17, nós chegamos à grande questão que aparece implícita no texto, acerca da natureza da igreja que Jesus sonhou e pela qual orou. A questão, portanto, é: o que, do ponto de vista de Jesus Cristo, Sua igreja deveria ser?

Para muitos tal questão parece irrelevante e, portanto, dispensável, na medida em que já muito se tem falado a respeito do assunto. No entanto, conquanto abundante material tenha sido produzido a este respeito, tenho visto muito pouco sido pensado acerca da Igreja em função do sonho feito oração de Jesus. Mesmo quando os textos de João 17 relacionados com a igreja são usados, na maioria das vezes, o são apenas para reforçar certos valores como unidade ou presença-ausência no mundo. No entanto, a mim parece que o texto diz muito mais sobre a Igreja do que se poderia restringir a duas áreas.

Tendo isso em mente, vou começar trazendo algumas definições do que seja a igreja:

"A igreja é a comunidade daqueles que ouviram atentamente o chamado do Messias. A Igreja, portanto, é composta de pessoas do Reino. Em sua forma básica, a parte dos prédios, hierarquias, orçamentos, sociedades missionárias e assim por diante, a Igreja é o povo que conhece, que reconhece, e que vive em função do fato que Jesus é Rei". (Charles Van Engen , The Growth of the Church. Pag 283, Amsterdam: Rodopi,1981).

Suzanne De Dietrich assim define a Igreja:
"... um povo que proclama através de ações o soberano Senhorio de Cristo e o poder da Sua ressurreição; um povo livre e cujo tesouro não pode ser tomado pelos poderes terrenos, e que olha para além da crise da história a consumação final e feliz de todas as coisas. É um povo cheio de fé e esperança, mas que precisa andar com os pés na realidade do aqui e agora" (Suzanne De Dietrich, The Witnessing Community, Philadelphia: The Westminster Press, 1958).

Em minha maneira pessoal de descrever, a Igreja como ideal de Deus, eu costumo dizer o seguinte:
"A Igreja é a comunidade daqueles que respondem afirmativamente à revelação de Deus em Jesus Cristo, e que se dispõem a conformar suas vidas à intenção de Deus revelada em Sua Palavra, vivendo como povo-comunidade, comprometidos com a manifestação do caráter de Deus e do amor que gera unidade, a fim de que, mediante o serviço misericordioso e o intrépido testemunho verbal da Palavra, sejam um acontecimento revolucionário na propagação da salvação e da justiça do Reino de Deus na história humana".

No texto de João 17 há certas características da Igreja que, se entendidas e vivenciadas, têm o poder de revolucionar a história. Isto porque a Igreja sonhada por Jesus é tão fascinante quanto revolucionária. De fato, no "sonho de Deus", a Igreja deveria aparecer como a sociedade sem Leis mundanas, vivendo o amor, a unidade, a salvação, o testemunho da verdade e da justiça, no meio da sombria e fétida história humana.

Mais do que perguntar "O QUE" a Igreja é, torna-se necessário perguntar "QUEM" são aqueles que compõem a Igreja. A razão disso é que a Igreja não existe à parte das pessoas. As instituições que têm nome de "Igreja" ou "missão" não são nada mais nada menos que meras entidades jurídicas para as quais nem Deus nem a Escritura fizeram "previsão", sendo apenas produtos dos acontecimentos e necessidades históricos, sociologicamente condicionados ao tempo, espaço e ideologia secular. Talvez 90% do que nós chamamos de "Igreja" sejam realidades e categorias históricas não "previstas" pelo sonho de Deus. Veja bem: Não estou dizendo que Deus foi apanhado de surpresa com o surgimento de instituições chamadas de igrejas e missões. Estou apenas afirmando que não há base bíblica para as instituições que nós "regulamentamos" no cartório como igreja ou missão. Com isto não estou dizendo que seja errado "criá-Ias". Não! Apenas gostaria que nós pudéssemos diferenciá-las daquilo que Deus chama de Igreja. Isto porque, de acordo com o Novo Testamento a igreja é um ajuntamento de seres humanos redimidos e que se aproximam uns dos outros em razão da sua fé em Jesus. As outras coisas são meros arranjos. Tais "arranjos" foram e são apenas produções humanas e como tais deveriam ser mantidas ou destruídas, dependendo de terem ou não finalidade em cada momento novo da história.

A ironia é que aquilo a que Deus chama Igreja é justamente aquilo que nos parece escandaloso, inseguro, subversivo e perigoso chamar Igreja: uma comunidade livre (Gl. 5.1,2), feita de gente submetida e conduzida pelo sopro do espírito (Jo. 3:8), dirigida sem "mão de ferro" (I Pd. 5.1-4), não regulada por estatutos, mas pela Palavra (Mc. 7.8-13); sem poder político (Mt. 20. 24-28), sem glória humana (Jo. 5.41-44), sem prestígio social (I Co. 1.26-28 ), sem dinheiro sobrando (At. 3.6), sem hierarquia engessada (At 15.6-20), sem censura à voz (Lc. 9.33), sem aliança com os poderosos (Tg 2.6-7), sem medo de morrer (II Co. 4.11), sem pátria (1 Pd. 1.1,2) e sem "edifício permanente" (I Co. 3.9; II Co. 5.1; Hb. 13.14 ). Enfim, uma comunidade sociologicamente escandalosa, inestudável porque é impadronizável, um fenômeno "amorfo" e completamente "alienígena" em relação aos fenômenos "entendidos" na história. Uma igreja que fosse um agente de transformação permanente do mundo. Uma comunidade que deixasse os futurológos do planeta sempre atrasados. Uma comunidade que desatualizasse todos os dias as previsões dos visionários seculares. Uma comunidade-surpresa. Uma comunidade que assustasse a sociedade pela sua capacidade de violar, em nome do amor santo, todas as convenções moralistas que atualmente afastam a igreja dos perdidos desse mundo (Lc. 7.36-50). Uma Igreja que escandaliza os "bons-costumes" dos inoperantemente educados, porque estivesse acostumada a fazer o bem (Lc. 14.1-6).

A minha pergunta é: existe tal Igreja na oração do Senhor em João 17? Minha resposta é: sim!

Ora, se tal igreja está presente em João 17, então vale a pena ver quais são as marcas que Jesus atribui a eIa. No entanto, conforme eu disse no início deste capítulo, eu prefiro ver Igreja como gente, comunidade dos discípulos, do que como coisa. Nossa tendência, quando falamos de igreja, é pensar em "coisa". Eu quero pensar em gente. Daí, eu não me referir à igreja quando estivermos descrevendo as marcas dessa comunidade. Eu estarei me referindo a "esses" discípulos, a pessoas.

(trecho do livro Oração para Viver e Morrer, páginas 69 a 71, por CAIO FÁBIO, 1994)

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